UM DIA DE GROSELHA, UM DIA DE PAIXÃO

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Alguns dizem que não existe esse negócio de “cupido”, “amor platônico” e, principalmente, a paixão. Confesso que, por me preocupar com tantos outros afazeres (acadêmicos e profissionais), demorei a me interessar por destinos românticos até que conheci a história de uma caçadora qualquer. Mas sempre achei a criação de Deus muito romântica por si só. Era encantador observar o céu e a estrada que percorria. Ah, e as pessoas! Sim, morro de rir com as atitudes de desconhecidos na rua, os observo e parece que qualquer atuação engraçada atrai meus olhares. Uns seres tão amáveis e outros tão grosseiros. É uma perda para o convívio deles. Guardei na memória a frase de alguém: “Os bons merecem os bons”. Mas, rapidamente, conclui que as pessoas “boas” não se relacionam com pessoas igualmente leais. Casos assim são uma feliz exceção. E pensei num “por quê” para tantos desgastes emocionais pela união de boas e más pessoas. 

Em meio aos questionamentos lembrei-me da caçadora com nome de fruta, chamava-se Groselha. Ela era um contraste de sabores: tímida e extrovertida, cautelosa e improvável, romântica e séria, bela e risonha, inteligente e interessada. Era improvável algum homem não se interessar pela curiosidade que a moça despertava. Além das qualidades aparentes, Groselha tinha um interior cheio de Sol, calor e vida, mas poucos lembravam de abrir aquela porta. Sua diversão era se expressar, produzir, ver, cantar e ler, e foi durante uma leitura precisa que se apaixonou pelas letras do moço. Ela percebeu que ele era doce e, portanto, como se cada dia fosse sua única chance admirava-o, acompanhava-o com o pensamento e depois, todas as noites, o deixava partir. Ela havia se apaixonado poucas vezes na vida e percebeu que o tempo de estagnação não duraria para sempre. 

Para Groselha, era o perfil ideal porque havia se entregado a um pensamento, à ideia que o moço plantou e estava regando aos poucos. Ele era afável, cheio de personalidade e também poeta nas horas vagas. Eram as letras que a fascinavam tanto e prendiam a menina/mulher. A caçadora já não se sentia mais caçadora e sim uma presa do destino, de uma coincidência, de um dia de leitura. Começou a ler sobre os poetas e descobriu que as paixões deles eram avassaladoras e passavam rápido. O pior detalhe é que os escritores costumam misturar amor e paixão e, por isso, elas sempre duram mais do que o normal. A maior parte das paixões deles, além de não confessadas, simplesmente não passam. Mas a moça pensou que talvez fosse este o motivo de tamanha inspiração: a intensidade de sentimentos. Ela desejava intensidade contanto que ela viesse com seu amado porque sabia que a falta de vontade e paixão empobrecia qualquer alma. 

Então, chegou o grande dia de conhecer o motivo de seus dias de imaginação e motivação. A grande novidade? Não foi frustrante, foi exatamente como deveria ser. Envolvente, animador, com cheiro de namoro, cheio de afinidade e cheio de possibilidades. Mas como diria Caetano Veloso, “o amor é como um grão, uma semente de ilusão” e ele não desejaria continuar regando esse grão. O motivo? Ela nunca saberia. E, na despedida, surge o aviso, o indicativo de que nunca mais se veriam, por fim, aquele “Adeus!”. O moço rebateu: “Isso não é um adeus! Só se for um adeus infinito para você. Vamos nos rever”. “Ele mente descaradamente e com convicção, o que é pior...”, sentiu Groselha ao indagar o próprio eu de que motivos ela teria para acreditar que seria diferente desta vez. “Ele não vai querer me ver novamente. Ele mente... Mas tenho certeza que apreciou a noite e a minha companhia! Senão por que teria surgido o enlace, o convite. A minha paixão mais duradoura durou apenas um dia.”, concluiu.

O moço de boa aparência e fluência se calou enquanto se despedia. Conquanto, a caçadora estivesse correta, não sabia o que havia causado tamanho desagrado. Ele sumira por dias, semanas, meses e, provavelmente, sumiria anos a fora. A caçadora teve vontade de cantar para o silêncio e distância partirem e deixarem seu coração partido se recuperar. E surgiu a música do Cazuza, assim: “Pra poesia que a gente não vive transformar o tédio em melodia... Ser teu pão, ser tua comida. Todo amor que houver nessa vida e algum veneno antimonotonia”. A atitude do rapaz foi cruel, falsa e desleal. Um encontro e nada mais: o que, no início, era curiosidade virou decepção (ele não se diferenciava em nada dos demais!), pois a moça não teve chance de ser ao menos conhecida. Ela lembrou de Caetano Veloso, em sua canção “Grão” com os dizeres de que o amor “tem que morrer para germinar, ressuscitar”. Bem que Groselha desejava esquecer a paixão, o encanto e a admiração, pois não eram merecidos, eram loucura e nada mais. De certo, ela continuaria a aguardar alguém letrado, culto, de bom humor, com ritmo de vida, de bom tom e musicalidade, de aparência desejável e de afinidade singular porque o seu coração ainda possui quartos disponíveis para adentrar.  

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